Acho que Neil Gaiman dispensa comentários, é um dos autores mais renomados das HQs, criador do universo sensacional de Sandman e de inúmeras outras histórias, como Orquídea Negra, Coraline, A Paixão do Arlequim, Criaturas da Noite e muitos outros. É de longe um dos meus roteiristas preferidos. “Dias da Meia-Noite” reúne 6 histórias do começo de sua carreira na DC, sendo 3 delas do Monstro do Pântano, duas do Sandman e uma do Hellblazer. Publicada originalmente em 1999 pela DC, ganhou uma versão “reduzida” pela Pixel em 2007 e só agora chega completa pela Panini.
Como qualquer coletânea, tem seus pontos altos e baixos, e está aí o calcanhar de Aquiles do álbum. Algumas das histórias são ótimas, mas outras parecem deslocadas e/ ou medianas, principalmente devido o nome “Neil Gaiman” hoje em dia siginificar qualidade. Okay que são seus primeiros projetos (nem tão primeiros assim, tendo em vista que Sandman saiu em 1989 e uma das histórias é de 1998), mas inevitável não falar que ficamos com um gostinho de “quero mais” depois de terminar a leitura.
Entretanto, os pontos altos da HQ conseguem se sobressair. Toda a delicadeza no modo de Gaiman narrar está presente, assim como a exploração psicológica dos personagens e, o que mais gostei, as referências à outros títulos. Quem não conhece o trabalho do autor ou nunca leu Sandman ficará por fora em vários momentos, um conhecimento prévio do Monstro do Pântano também é necessário. O leitor que o conhece apenas pelos livros ou contos independentes ficará perdido. Felizmente, antes de cada história há uma introdução do próprio Gaiman sobre como a criou, que ideias tinha em mente e o contexto da época.
Jack in The Green: abrindo a coletânea, uma história inédita! Neil escreveu este roteiro em 1985, chegando a enviar uma cópia ao próprio Alan Moore (que escrevia a série do Monstro) que a considerou “boa”. Porém ela nunca foi publicada… até o lançamento deste álbum em 1999. A editora desarquivou o roteiro e pediu que os desenhistas da série original (John Totleben & Steve Bissette) fizessem a arte, resultando neste conto calmo, estrelando um Monstro do Pântano do séc. XVII, em meio à peste negra. O interessante aqui é como o personagem está lidando com os acontecimentos, ao mesmo tempo em que tenta aliviar a dor de um humano. Já fica evidente uma das principais características de Gaiman: as referências históricas e fictícias, como se a história já possuísse um passado e tem mais coisas à mostrar.
Irmãos: na sequência vem duas histórias do especial Monstro do Pântano Anual #5, de 1989. Foi a primeira vez que Gaiman publicou algo com o Monstro e, como ele comenta na introdução, serviria de base caso ele continuasse a escrever pro personagem (o que não aconteceu). É interessante ler a sua visão da série, que ficou num estilo bem “underground”, abusando das referências hippies e histórias paralelas. Num instante pensei estar lendo algo do Grant Morrison, como os Invisíveis. Em “Irmãos” uma versão defeituosa de um elementar volta à Terra após ficar exilado na órbita, as autoridades locais pensam que ele possui alguma ligação com o Monstro do Pântano e chamam Abigail, a noiva do “original”. Esse “irmão” é um boneco remanescente dos anos 1960 que só quer “paz e amor”, transformando a história numa ode à contra-cultura. Uma leitura muito divertida, porém a que vem a seguir no Anual é melhor…
Contos de Deuses Peludos: aqui sai o Irmão de cena e entra o ex-vilão Homem-Florônico, perdido numa mata, segurando um vazo de flor (Milton) e conversando com o mesmo sobre religião, existencialismo e soberania das plantas. Seu destino é o Parlamento das Árvores. Também fica evidente os vários ganchos que Gaiman cria, deixando para resolver depois (caso fosse continuar escrevendo). É uma história bastante singela, com ótimos diálogos (Flôro narra várias passagens da Bíblia pelo ponto de vista das plantas ^^ – uma clara referência às ideias de Veitch, que queria relacionar o Monstro à Jesus e foi retirado dos roteiros por isso) e com a arte espetacular do Mike Mignola (Hellboy), bem psicodélica, do jeito que eu amo.
Abraço: publicada em 1990, é uma das poucas edições de Hellblazer que Gaiman escreveu (e olha que a série durou 300!) e uma das mais raras e adoradas pelos fans. Um típico conto de terror, sobre as ruas geladas de Londres. John Constantine se depara com um espírito vagando sobre as ruas, e o que ele mais deseja é apenas um abraço. Mais uma vez, a delicadeza no desenvolvimento da trama e seu desfecho prova o quando esta edição de Hellblazer é valorizada. Sem contar que a arte é do Dave McKean, parceiro de longa data do Neil, com seu estilo único, super “cheio” e ao mesmo tempo tocante.
O Teatro da Meia-Noite de Sandman: e como não podia faltar, temos Sandman! Na verdade, dois Sandman! Se passando na década de 1930, o Sandman original (Wesley Dodds – da máscara de gás) está investigando uma organização de ocultistas em Londres e se depara com o Sandman/ Sonho, nessa época aprisionado num globo de vidro. A cena em que os dois se encontram é esplendida! Gaiman escreveu o roteiro em parceria de Matt Wagner, o criador da série Sandman Mystery Theatre (com o Dodds) que conseguiram unir os dois personagens de uma ótima forma, sem estragar a cronologia de ambas as séries. Como comentei no início, quem não leu o primeiro arco do Sandman do Gaiman (que se passa nos anos 1980 e tem o Sonho aprisionado), não vão entender as referências. Por ser uma história de investigação, ao estilo noir, se desenvolve bem lentamente e chega a ser maçante em alguns momentos. Também é a história mais longa da coletânea, com cerca de 60 páginas.
Bem-Vindo de Volta à Casa dos Mistérios: fechando o álbum, uma pequena história que abriu e fechou o especial Welcome Back To The House Of Mystery, com o anfitrião Caim comentando sobre a Casa, seu irmão Abel, e das encrencas que se meteu nas edições anteriores. Há muita referência à série antiga e à versão que Gaiman fez do personagem. Os desenhos são do inconfundível Sergio Aragonés (MAD), totalmente cartoon e, por mais que seja interessante, acaba destoando das demais histórias (que possuem estilos de arte diferente, porém mantém a “sobriedade”). Esta história além de ser voltada pro cômico, Caim se comunica diretamente com o leitor, uma mudança e tanto no decorrer da edição.
Texto extraído do site Central do Sonhos
Páginas: 176 • Formato: 17 x 26 cm • Acabamento: Capa Dura • Miolo: Colorido